sexta-feira, 30 de setembro de 2011

OS HACKERS FASCISTAS NÃO CANSAM DE TIRAR MEU BLOGUE DO AR...

...embora devam ter muito mais trabalho para fazer isto do que eu para o restabelecer. É coisa de dois minutos.

Há também um debilóide que passa a vida postando comentários sem nada a ver, nos mais diversos idiomas estrangeiros. São textos comerciais que, mal vejo, excluo.

Que vida insípida deve levar essa gente, a ponto de não ter nada melhor para fazer numa noite de sexta-feira! 

SP DEVERÁ DEDICAR O 4 DE SETEMBRO AOS MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou projeto de lei do deputado Carlos Giannazi (PSOL) instituindo o Dia Estadual em Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos, a ser celebrado anualmente em 4 de setembro -- data da abertura, em 1990, de vala clandestina num cemitério paulistano do bairro de Perus, na qual os carrascos da ditadura militar enterravam resistentes que haviam executado.

Eis a justificativa do projeto, que segue agora para a sanção do governador Geraldo Alckmin:
"Um desaparecimento forçado consiste em um sequestro conduzido por agentes do Estado, ou por grupos organizados que agem com o apoio ou a tolerância do Estado, em que a vítima 'desaparece'. Desaparecimentos forçados foram usados primeiramente como forma covarde e violenta de repressão política na América Latina durante os anos 1960.
Estima-se que mais de 90.000 pessoas tenham desaparecido nessa região. No Brasil, durante o período da ditadura militar, o número chega a quase 400 pessoas, dentre as mortas e as desaparecidas. A violência, que ainda hoje assusta o País, menos óbvia, mais ainda presente, tem raízes em nosso passado escravista e paga tributo às duas ditaduras do século 20. Jogar luz no período de sombras e abrir todas as informações sobre violações de Direitos Humanos ocorridas no último ciclo ditatorial são imperativos urgentes de uma nação que se pretende verdadeiramente democrática".

SOBRE MÉDICOS, MONSTROS E MILITARES

O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony relembra na Folha Ilustrada suas seis prisões durante a ditadura militar e, lá pelas tantas, evoca a cordialidade entre adversários que ainda subsistia na segunda delas, exemplificada por esta reminiscência do Natal de 1968:
"...o comandante cujo nome não guardei, homem civilizado e gentil, surpreendeu a mim e ao Joel [Silveira] mandando vir, de sua casa, uma ceia completa, vinho, castanhas, fatias de peru, frutas, um cartão amável desejando não somente um feliz Natal mas uma rápida libertação".
Nas quatro prisões seguintes, entretanto, o clima mudou radicalmente:
"...ficamos conhecendo o outro lado daquela turma que nos prendia. Nem Joel nem eu fomos torturados, mas passávamos a noite ouvindo os gritos dos torturados. Na hora das refeições, antes de chegar a comida, chegavam dois tipos de homens diferentes, verdadeiros armários que apontavam as armas enquanto comíamos não a comida normal dos quartéis, mas uma pasta que parecia os restos de outras refeições.

Nenhum diálogo, apenas ameaças. Nem banho de sol, obrigatório pela Convenção de Genebra. Nem visitas, nenhum contato com o mundo exterior, nem mesmo com a família, que não sabia onde estávamos e se estávamos vivos".
Traçando um paralelo com a obra clássica de Robert Louis Stevenson, ele avalia que "a poção mágica do poder" transformou os militares, de médicos em monstros. Supostamente, a partir do AI-5, promulgado em dezembro/1968.

As minhas próprias lembranças me levam a considerar um tanto mecânica a análise de Cony. 

Sequestrado (aquilo lá não respeitava os trâmites legais de uma detenção) em abril/1970, eu só deveria ter conhecido monstros. Mas, restavam alguns médicos.

E não só os bons recrutas que, compadecidos de nossa situação, arriscavam-se a severas punições para nos prestar pequenos favores e até davam um jeito de aumentar a quantidade de comida no bandejão que nos serviam, por perceberem que estávamos desnutridos.

E mesmo entre oficiais encontrávamos um pouco de solidariedade; com maior frequência quando se tratava de  veteranos que tinham aprendido seu ofício em tempos menos bicudos. Para estes,  honra militar  não era uma expressão em desuso.

Quem passara pelos campos de batalha da 2ª Guerra Mundial, geralmente não via com bons olhos a brutalidade amoral dos novos capitães e tenentes, dispostos a tudo para conseguirem promoções e prêmios.

Davam a entender, contudo, que eram impotentes para evitar os excessos. A bestialidade viera para ficar. A velha guarda castellista torcia o nariz, mas era só o que podia fazer, pois perdera a parada nas disputas internas da caserna. A linha dura apertava cada vez mais o torniquete.

Quando foi relaxada a primeira das três prisões preventivas que me mantinham prisioneiro, transferiram-me do quartel da PE da Vila Militar, um dos piores que existiam, para o que, por contraste, pareceu-me um hotel: o Regimento Escola de Cavalaria.

TEMPO DE OGROS

Como companheiro de quarto -- não era exatamente uma cela, embora tivesse grades na janela --, um professor que não havia participado da luta armada mas, mesmo assim, levara choques tão terríveis na PE que tinha os ossos dos dedos à mostra.

Deduzi que ambos saíriamos em breve. Os militares se preocupavam com tais detalhes, como o de não despejar nas ruas pessoas que parecessem ter saído de um campo de concentração nazista. Representariam a prova viva do que sucedia nos porões. Então, costumavam recuperar um pouco os presos, fisica e psicologicamente, às vésperas da libertação.

Não fiquei agradecido pelo tratamento menos desumano. Refleti que os oficiais médicos estavam desempenhando um papel determinado pelos alto comando, da mesma forma que seus colegas do DOI-Codi esmeravam-se em representar ogros.

Como única ressalva, eu admitia que os oficiais se direcionassem para a Cavalaria exatamente por terem um perfil mais compassivo (tanto que gostavam de animais), ao passo que iam para a infantaria os naturalmente insensíveis; e os piores deles, para a Polícia do Exército. Então, em ambos os casos, aproveitara-se o  physique du rôle.

Mas, houve um oficial que me pareceu ir além do script: o comandante do regimento, cel. Castro.

Em dezembro/1969, ss visitas a presos políticos na Vila Militar do Rio de Janeiro estavam todas suspensas em função do sequestro do embaixador suíço. Ele abriu uma exceção no Natal. Fiquei com a impressão de ter sido uma decisão pessoal, não uma encenação a mais.

O jeitão, a forma de falar, o tratamento respeitoso adotado com seus subalternos, tudo nele compunha a imagem de um homem afável e nobre, capaz de uma atitude dessas.

Ademais, como deveria estar bem próximo da reserva, já se encontrava imune a represálias. È quando os oficiais não temem tanto desagradar os escalões superiores.

Voltando ao dr. Jeckyll e Mr. Hide, faz mais sentido supor que, mesmo no pior momento do terrorismo de estado, as Forças Armadas continuasse tendo seus médicos e seus monstros . 

E, principalmente, indivíduos comuns, que não eram uma coisa nem outra, mas perceberam que, naquele momento, seus interesses estariam melhor servidos se deixassem aflorar as componentes monstruosas de sua personalidade, pois era isto que deles se esperava.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A AGONIA DE CINEMAS E A DESUMANIDADE CAPITALISTA

A Prefeitura de São Paulo decidiu não tombar o cine Belas Artes, na mais do que valorizada esquina da Consolação com a Paulista.

André Sturn, que foi proprietário do cinema e hoje dirige o Museu da Imagem e do Som, desabafou: "É a vitória da especulação, do que tem de pior no capitalismo contra a memória, a fantasia, a qualidade de vida".

Como bom cinéfilo, meus sentimentos são de simpatia para com o movimento que tenta manter o Belas Artes funcionando.

Mas, não seria o caso de a cidadania se mobilizar contra a desumanidade capitalista em toda e qualquer circunstância, não apenas em situações específicas?

Cada cinema fechado nas últimas décadas significava algo para muitas pessoas. Nunca houve movimento para os salvar. Então, há um certo ranço elitista nesta mobilização única.

Espremido e jogado fora: O fim do patrocínio
de um banco inviabilizou de vez o Belas Artes
Cada vez que passo pelo prédio que abrigou o cine Aliança das minhas matinês longínquas, sinto um aperto no coração. Ninguém lutou por ele na Mooca. Os frequentadores não eram intelectuais, mas sim pessoas comuns da baixa classe média. Seus sonhos e sua nostalgia não mereciam respeito?

Também sou avesso a deturpações, ainda que bem intencionadas. Tudo bem que se queira preservar o Belas Artes, mas não é preciso fazer chantagem emocional com a afirmação de que ele funcionava desde 1943, sendo, portanto, uma espécie de relíquia cultural....

Inclusive, há uma confusão com o cinema ao lado, que era Astúrias entre 1931 e 1943, passando então a chamar-se Ritz, enquanto o cine Trianon, verdadeiro antecessor do Belas Artes, só seria aberto em 1956.

A Sociedade Amigos da Cinemateca, constituída em 1962, inicialmente exibia suas pérolas cinematográficas numa pequena sala da rua Aurora, constrangedoramente próxima de uma zona de meretrício. Lembro-me de nela ter assistido, p. ex., O Homem do Prego (1964), de Sidney Lumet.

Surgiu uma oportunidade de se transferir para um local mais apropriado e a SAC não bobeou, assumindo o espaço do ex-Trianon e nele instalando o Belas Artes, que logo se tornou o principal cinema de arte de Sampa, eclipsando o Bijou, o Marachá Augusta, etc.

Esta era a fachada na inauguração
A atração inaugural, em julho/1967, foi Os russos estão chegando! Os russos estão chegando! (1966, d. Norman Jewison).

Enfim, o cinema cultuado que se queria tombar remonta a 1967, não a 1931, 1943 ou 1956.

E teve seu grande momento nos idos de 1968, quando exibiu fitas como A Chinesa (1967, d. Jean-Luc Godard), esmiuçada à exaustão pelas rodas de estudantes, contestadores e  outsiders  em geral que se aglomeravam no bar em frente.

Para quem não sabe, esclareço: trata-se de um filme que entrou em evidência com a chamada  Primavera de Paris, por parecer tê-la antecipado.

Mostra jovens que se isolam durante algum tempo para aprofundarem sua opção revolucionária, entre leituras, discussões, relacionamentos pessoais/amorosos e esboços de uma existência mais livre. Termina com o fim do aprendizado, quando cada um, aclaradas suas dúvidas, direciona-se para a forma de vida e de atuação que lhe é mais afim.

Quanto ao título, não se referia a uma mulher asiática, mas sim à linha chinesa, de Mao Tsé-Tung e seu livrinho vermelho, que então eram tidos como uma alternativa ao  revisionismo  soviético...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A CONQUISTA DA VERDADE


Companheiros e amigos,

um traço marcante da geração 68 era o sentimento de que a consciência das injustiças implicava a responsabilidade de lutar contra elas.

Havia quem criticasse tal postura, qualificando-a de voluntarista.

E existe também quem até hoje admira a disposição que tínhamos de assumir as boas causas, não medindo esforços nem riscos.

Uma lição eu aprendi na vida: um homem continua forte enquanto se mantém coerente com seus valores.

Então, quando tomei conhecimento do Caso Battisti, em 2007, imediatamente escrevi um artigo pedindo sua libertação. Pois a solidariedade era obrigatória para os revolucionários de minha geração -- e continua sendo-o, para mim, até hoje.

Mas, um companheiro com melhor trânsito nos gabinetes palacianos me garantiu que a situação estava sob controle e eu não precisaria me preocupar.

"Antes assim!", pensei, porque tinha noção clara do quanto uma luta dessas pode ser desgastante -- e já não sou jovem.

Quando houve aquele resultado adverso no Conare, entretanto, eu percebi que a situação se tornara perigosa e que, havendo travado batalhas similiares, eu tinha uma contribuição relevante a dar para que fosse evitado o pior.

Arregacei as mangas e passei de novembro/2008 a junho/2011 priorizando a causa de Battisti. 

Foram viagens, palestras, debates, trâmites de todo tipo e cerca de 250 textos divulgados ao longo da luta -- encerrada com uma vitória dificílima, que ainda será reconhecida como das mais significativas que a esquerda brasileira alcançou em todos os tempos.

Nesta semana estou iniciando outra cruzada que também deverá ser das mais trabalhosas, mas considero e assumo como um dever: a de empenhar-me ao máximo para que o relatório final da Comissão da Verdade faça justiça aos que sofreram e aos que tombaram na resistência ao arbítrio.

É fundamental que a última palavra do Estado brasileiro sobre os  anos de chumbo seja, exatamente, verdadeira -- pois é a que ficará para os pósteros.

Que, relatando fielmente o festival de horrores imposto ao nosso povo, sirva como dissuassivo de futuras recaídas na barbárie.

Como os nomes cogitados para a Comissão não me deram a certeza de que a integridade do trabalho seria mantida face às enormes pressões que certamente advirão, decidi pleitear uma vaga. Pois a melhor posição para influirmos nos rumos de uma luta é colocados no centro dela.

Mas, sou bem realista quanto às possibilidades de obter a indicação: elas só existirão se eu tiver forte respaldo na internet. É minha trincheira e meu provável único trunfo.

Ou caminhamos juntos ou serei ignorado sozinho; é simples assim.

Espero merecer o apoio dos companheiros.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

SOU (ANTI)CANDIDATO À COMISSÃO DA VERDADE

Aloysio Nunes Ferreira Filho participou da luta armada na ALN de Carlos Marighella, foi condenado com base na Lei da Segurança Nacional, amargou o exílio e só pôde voltar com a anistia de 1979.

Mesmo assim, fez coro à demagogia direitista da última campanha presidencial de José Serra, acusando Lula de haver montado "uma máquina mortífera" e repetindo chichês alarmistas como estes:
"Tem o PT com seu velho radicalismo, com as velhas idéias de amordaçar a imprensa (...), outra ponta dessa engrenagem é o sindicalismo comprado (...). Temos o Incra entregue ao MST, temos o desrespeito à lei de uma política externa que corteja os ditadores mais sanguinários da face da Terra. E é contra esse sistema de poder que nós vamos eleger o Serra e o Geraldo".
É cogitado para a função de relator da Comissão da Verdade.

E o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já se candidatou a uma das sete vagas, assim como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Considero inadequadas tais postulações.

Aloysio, porque pende para a esquerda ou para a direita ao sabor dos ventos políticos.

Dirceu por ser alvo preferencial das campanhas de desqualificação da mídia -- vide a capa recente da revista Veja. Por que oferecer novos trunfos ao inimigo, que, é óbvio, torpedeará incessantemente a Comissão? Ele seria o homem errado no lugar errado.

FHC, por tudo que deixou de fazer, ao longo de dois mandatos, para que os torturadores respondessem por seus crimes. É um dos responsáveis por não se terem tomado providências efetivas na hora certa, de forma que as tentativas acabaram sendo tardias e, por isto mesmo, mais facilmente anuladas.

Quanto à CNBB, não tendo o catolicismo se apresentado unido contra o golpe e o terrorismo de estado, eu consideraria mais apropriada a inclusão de um representante do Tortura Nunca Mais -- até como tributo à figura exponencial da resistência ao arbítrio que foi d. Paulo Evaristo Arns.

De resto, eu também apresento minha (anti)candidatura.

Porque é preciso evidenciar sempre e a cada instante que existe um abismo entre o sistema, a política oficial, a imprensa burguesa e o universo alternativo, trepidante, da internet, que vem sendo minha trincheira nos últimos anos.

Então, embora eu domine o tema em questão como poucos e tenha uma credibilidade virtual conquistada com muito trabalho, coerência e lutas vitoriosas, hoje estou reduzido à quase inexistência pela grande mídia e nunca sou cogitado para absolutamente nada em Brasília.

Mas, avalio que tenho uma importante contribuição a dar à Comissão. Daí pleitear um lugar nela, embora saiba que é uma hipótese das mais improváveis.

Assim como um sem-número de vezes pedi justificados direitos de resposta aos jornalões, mesmo ciente de que as boas práticas jornalísticas não seriam respeitadas.

Porque jamais devemos nos conformar com a privação de direitos; marcar posição é uma forma de resistirmos.

Há, claro, a ínfima possibilidade de que companheiros encampem tal bandeira e a tornem uma opção concreta -- para contarem, na Comissão, com um ex-preso político que jamais se vergará a conveniências nem vai descurar da missão de trazer à tona a verdade histórica sobre os  anos de chumbo, custe o que custar.

Nesta eventualidade remota -- afinal, não faço parte de nenhum esquema influente --, a anticandidatura poderá até virar candidatura.

domingo, 25 de setembro de 2011

MILITARES SÃO MÉDICOS QUE PODEM VIRAR MONSTROS?

"Os jovens de hoje que, patrioticamente, encaminham-se para as escolas de formação militar precisam conhecer as causas e as consequências que podem fazer, de bem-intencionados médicos, verdadeiros monstros contra a sociedade." 
(Carlos Heitor Cony, que avalia a Comissão da Verdade como um passo "necessário e urgente que fiquemos sabendo o que se passou e foi criminosamente escondido pelos responsáveis")

JORNAL DA DITABRANDA DESQUALIFICA A COMISSÃO DA VERDADE

A Folha de S. Paulo se tornou cautelosa com seus editoriais reacionários, depois que alguns deles tiveram o efeito de devastadores bumerangues -- o da  ditabranda, p. ex., foi um dos mais piores tiros pela culatra que um jornal já deu.

Então, para ajudar seus antigos parceiros a se livrarem do merecido opróbrio, como já se livraram da merecida prisão, o Grupo Folha agora recorre a uma enrolação um tantinho mais sofisticada para desqualificar a Comissão da Verdade:
"...Não cabe a um organismo indicado pelo Executivo (...) estabelecer 'a Verdade', com 'V' maiúsculo, neste ou em qualquer assunto que seja.

...É irrealista supor que, no exíguo prazo de dois anos, uma comissão de 7 membros e 14 auxiliares, como estabelece o projeto, venha a levantar todos os casos de violação aos direitos humanos.

Em que medida (...) estariam contemplados representantes e defensores do próprio regime militar? Sua presença, não é exagerado supor, traria dificuldades e entraves ao trabalho da comissão. Sua ausência, por outro lado, abriria o flanco a acusações de parcialidade nas investigações.

A Comissão da Verdade cumpriria melhor seu papel, a rigor, se estabelecesse as condições mais amplas possíveis para o acesso dos cidadãos a documentos do período.

Investigações independentes, feitas por organizações, pesquisadores e jornalistas sem vínculos com o Estado, constituem no melhor mecanismo para se chegar mais próximo de um ideal nunca definitivo, a verdade histórica. Esta não é monopólio de nenhum colegiado oficial, por mais imparcial que seja".
RACIONÁLIA INFAME

Esta racionália infame parte do pressuposto de que haveria duas versões em pé de igualdade, a serem levadas  imparcialmente  em conta: a dos torturados e a dos torturadores. É a tese do DEM, partido que remonta à antiga Arena, avalista de atrocidades e genocídios.

No entanto, a civilização adota critérios bem diferentes. Começando pela ONU, que recomenda aos países saídos de ditaduras a apuração rigorosa dos crimes cometidos pelos déspotas e seus esbirros, a punição exemplar dos responsáveis, a indenização das vítimas e a criação de mecanismos institucionais que dificultem a recaída nas trevas.

O Brasil, a rigor, não fez nem metade da lição de casa.

Concedeu reparações aos torturados, lesionados fisica e psicologicamente, estuprados, prejudicados em sua carreira e em todas as esferas de sua vida. Mesmo assim, sob uma enxurrada de ataques falaciosos das  viúvas da ditadura, de seus discípulos e dos seus bobos úteis.

A apuração dos crimes só se deu em termos de reconhecimento e quantificação de direitos gerados para as vítimas ou seus herdeiros, por meio das comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Punido, nem o pior dos carrascos foi. Zero. Com a omissão do Executivo e do Legislativo.

E com a cumplicidade da mais alta corte do País, que produziu em abril/2010 uma das decisões mais escabrosas de sua História, fazendo lembrar os juristas franceses da República de Vichy, que colaboravam com os nazistas (vide o ótimo filme de Costa Gravas, Seção Especial de Justiça).

Os antídotos ao golpismo também foram descurados. Tanto que a caserna continua sendo até hoje uma espécie de quarto poder e apita mais do que os outros três em determinados assuntos -- como o de passarmos ou não a limpo o festival de horrores dos  anos de chumbo.

Seu veto à revogação da anistia que os verdugos concederam previamente a si próprios em 1979 garantiu a impunidade eterna das bestas-feras do arbítrio. E sua resistência ao resgate e exposição da verdade é que está levando aos contorcionismos ridículos e concessões absurdas que marcam a gestação da Comissão respectiva.

A saída da ditadura pela porta dos fundos em 1985, mediante conluio da oposição com situacionistas que abandonaram a canoa furada para se manterem no poder (Sarney à frente), impediu que houvesse uma verdadeira redemocratização do País e nos legou a situação anômala que nos faz motivo de pilhérias no mundo civilizado. Estamos sendo os últimos e os mais tímidos no acerto das contas do passado infame.

ÚLTIMA CHANCE

A Comissão da Verdade, que em suas linhas mestras fui dos primeiros a defender, é o última chance de deixarmos estabelecido, como veredito oficial do Estado brasileiro, o repúdio ao golpismo, à ditadura, ao estupro dos direitos humanos.

Caso contrário, os totalitários continuarão podendo alegar impunemente que em 1964 foi dado um contragolpe preventivo e que ambos os lados cometeram excessos equivalentes durante os anos de chumbo.

E nada vai impedir que se batizem ruas e praças com os nomes de sérgio paranhos fleury, emílio garrastazu médici e outros que tais (as minúsculas são intencionais).

É discutível que se consiga avançar muito, com mais de um quarto de século de atraso e depois da diligente destruição de arquivos por parte de quem tinha esqueletos no armário, no esclarecimento de episódios ainda obscuros.

Mas, apenas reunir o que já se apurou numa espécie de balanço final do período já dará aos democratas um trunfo poderoso nos embates políticos do presente e do futuro.

Pois, a esta altura, só nos resta tentarmos criar anticorpos, para que nunca mais o Brasil mergulhe nas trevas da tirania e da barbárie.

Nem isto o jornal da  ditabranda  admite.

sábado, 24 de setembro de 2011

FIM DAS TOURADAS NA CATALUNHA

Neste domingo (25) acontecerá a tourada de despedida na Catalunha; o espetáculo foi proibido graças às campanhas de ativistas dos direitos dos animais.

É a Espanha sepultando suas tradições. A atividade já vinha em franco declínio, com o número de touradas caindo para pouco mais de um terço da quantidade anterior à atual crise capitalista.

Trata-se do tipo de notícia que me deixa dividido. De um lado, estão certíssimos os que querem impedir a imposição de tais tormentos aos touros. Trata-se de uma crueldade? Sem dúvida! Animais não devem ser torturados e sacrificados para nossa diversão? Sem dúvida!

Do outro, sempre me fascinou o desafio à morte assumido por toureiros, pilotos de automobilismo, pugilistas, etc. Que têmpera a de quem entra na arena confiando na sua perícia contra as investidas furiosas de uma montanha de carne!

Segundo um bom amigo espanhol, dos dois ícones máximos das  plazas de toros, Dominguín construiu sua fama deixando que as chifradas passassem assustadoramente próximas do seu corpo. O menor erro de cálculo seria fatal. Mas, sua frieza era espantosa; sua técnica, refinadíssima.

E havia também o loco Cordobés, menos estilista e mais raçudo. Este levantava a platéia com seu passionalismo, suas bravatas, como se quisesse igualar a ferocidade do touro, enfrentando-o de igual para igual.

A altíssima voltagem desses espetáculos não poderia escapar aos artistas. Hemingway e Picasso foram dois que se prostraram à sua beleza selvagem. E a apoteose do toureiro na Carmen de Bizet é um dos temas de ópera mais populares em todos os tempos.

Uma página romântica se fecha, deixando o mundo um pouco menos desumano... e um pouco mais insosso.

São as tais contradições.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

REPÚDIO AO "SADISMO DOENTIO DO SISTEMA PENAL-JUDICIAL DOS EUA"

Ainda sobre o assassinato legalizado de Troy Davis, o bravo companheiro Carlos Lungarzo traz algumas informações e ponderações importantes:
"Davis sofreu o sadismo doentio do sistema penal-judicial dos EUA, representado por 20 anos de espera por sua execução, enquanto todas as protestos de milhões de pessoas no planeta, e os sucessivos recursos eram ignorados.

Troy foi defendido durante anos por Anistia Internacional, e celebridades do mundo todo, incluindo o ex-presidente Carter e o Papa Bento XVI, que pediram seu indulto.

As nove testemunhas disseram inicialmente que tinham visto Troy atirando no policial, mas, vários anos depois, quando a causa foi julgada em segunda instância, sete deles reconheceram que tinham sido ameaçados e extorquidos pela polícia para depor contra Davis.

Para que o julgamento parecesse normal, o juiz e o promotor escolheram mais de metade de jurados negros, mas estes confessaram depois que, por causa da perseguição racial no Sul americano e a situação indefesa de afroamericanos pobres, eles votaram pela condenação pois se sentiam incapazes de suportar as ameaças do promotor e dos juízes contra os membros de suas famílias".
E a Anistia Internacional, à qual Lungarzo pertence, emitiu nota oficial condenando o linchamento judicial de Davis. Eis os trechos principais:
"Troy Davis, de 42 anos, que se encontrava no corredor da morte desde 1991, foi executado por injeção letal na prisão do Estado da Geórgia em Jackson, no dia 21 de Setembro, apesar das sérias dúvidas em torno da sua condenação.
No mesmo dia, o Irã enforcou publicamente um jovem de 17 anos condenado pelo homicídio de um afamado atleta, apesar das proibições internacionais de execução de adolescentes, enquanto a China executou um paquistanês condenado por tráfico de drogas apesar dos crimes de droga não se incluírem nos crimes 'mais graves' do Direito internacional.
'Este é um dia triste para os direitos humanos em todo o mundo. Ao executarem estes indivíduos, estes países estão a mover-se contra a corrente global da abolição da pena de morte', afirmou Guadalupe Marengo, Vice-diretor da Amnistia Internacional para a América.
Os ativistas da Anistia Internacional fizeram uma extensa campanha contra a pena de morte. Nos últimos dias, foram enviadas, às autoridades da Geórgia, quase um milhão de assinaturas em nome de Troy Davis, apelando para comutarem a sua sentença de morte. Foram realizadas vigílias e eventos em aproximadamente 300 locais por todo o mundo.
Troy Davis foi condenado à morte em 1991, pelo homicídio do polícia Mark Allen Macphail em Savannah, no estado da Geórgia. O caso contra Troy Davis baseou-se principalmente em declarações de testemunhas. Desde o seu julgamento em 1991, sete das nove testemunhas chave retiraram ou alteraram o seu testemunho, algumas alegando coerção policial.

A Anistia Internacional opõe-se à pena de morte em todos os casos, sem exceção.

'A pena de morte é um sintoma de uma cultura de violência e não uma solução', acrescentou Guadalupe Marengo. 'Devemos manter a esperança e as execuções angustiantes levadas a cabo no dia 21 de Setembro devam levar os membros da Amnistia Internacional e outros ativistas a quererem continuar a luta contra a pena de morte'".
Somo minha voz à da AI: sou totalmente favorável à abolição da pena de morte em todos os casos, sem exceção. Exorto meus leitores a fazerem o mesmo, ajudando a dar um fim a mais este resquício de barbárie que, para nossa imensa vergonha, perdura em pleno século 21.

Que nunca mais um inocente seja covardemente assassinado como o foi Troy Davis!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

SIM, NÓS PODEMOS... LAMBER OS PÉS DOS PIORES BRANCOS

Barack Obama vive semana das mais desmoralizantes.

Deixou de intervir para salvar a vida de um negro que, tudo indica, foi sentenciado à morte tão somente por ser negro, pois o que constava do processo seria insuficiente para condenar Hitler.

E acaba de antecipar o que tudo mundo já adivinhava: vai vetar o reconhecimento do Estado palestino como membro pleno da ONU.

Sim, nós podemos... continuar estuprando os valores civilizados para favorecer um dos piores estados transgressores da atualidade.

Sim, nós podemos... esquecer o ideal da justiça entre as nações e alinharmo-nos invariavelmente com quem pode ser  um grande filho da puta, mas é nosso  filho da puta (*).

Sim, nós podemos... dar a Israel uma licença para matar, qual seja a certeza de que vetaremos no Conselho de Segurança da ONU todas e quaisquer resoluções que visem coibir seus massacres.

Sim, nós podemos... frustrar os negros que pensavam estar elegendo um irmão, ao comportarmo-nos na Casa Branca como o mais dócil  negro dos brancos.


* frase célebre atribuída ao secretário de Estado norte-americano Cordell Hull, referindo-se ao ditador panamenho Rafael Trujilo.

TROY DAVIS: ASSASSINADO!

Os EUA assassinaram Troy Davis na noite desta 4ª feira (21), indiferentes ao pedido de clemência de quase 1 milhão de peticionários e ao apelo do Papa Bento XVI.

A condenação foi grotesca: inexistia qualquer prova material; nem sequer foi encontrada a arma do crime; e, das 9 testemunhas, 7 caíram em contradição.

Negaram a Troy o direito a novo julgamento, apesar de a sentença ser questionável ao extremo.

Salta aos olhos que houve componente racista no caso, tendo o presidente Barack Obama se omitido vergonhosamente. É covarde, indigno e cúmplice de linchadores.

A pena de morte constitui, ela sim, um crime e uma aberração. Pertence à pré-História da humanidade. Já passou do tempo de a extirparmos da face da Terra.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

NO DIA EM QUE EU VIM-ME EMBORA

"No dia em que eu vim-me embora,
minha mãe chorava em ai,
minha irmã chorava em ui
e eu nem olhava pra trás.
No dia em que eu vim-me embora,
não teve nada de mais.

Mala de couro forrada
com pano forte, brim cáqui,
minha 'vó já quase morta,
minha mãe até a porta,
minha irmã até a rua
e até o porto meu pai.

O qual não disse palavra
durante todo o caminho
e quando eu me vi sozinho,
vi que não entendia nada,
nem de pro que eu ia indo,
nem dos sonhos que eu sonhava.

Senti apenas que a mala
de couro que eu carregava,
embora estando forrada,
fedia, cheirava mal.

Afora isto ia indo,
atravessando, seguindo,
nem chorando, nem sorrindo,
sozinho pra Capital".
(Caetano Veloso) 

"...há quedas em cascata, a partir da prisão [em 23/01/1969] de quatro militantes que maquilavam um caminhão para torná-lo idêntico aos do Exército, numa chácara de Itapecerica da Serra.

Júlio recebe aviso da irmã de Maria das Graças, a  Baianinha: a repressão pode ficar conhecendo seu nome real e endereço a qualquer momento. Diego, Eremias e Edmauro também estão em risco. É melhor nenhum dos quatro passar o fim de semana em casa.

Júlio e Diego vão para Santos, com pouco dinheiro.

O azar os persegue. Só têm o suficiente para um almoço pobre, que dividem. Diego passa mal com sua gastrite.

À noite não podem dormir na praia por causa do toró que despenca. Tentam abrigar-se num edifício e acordam sob a mira do revólver do vigia, que os expulsa para a chuva. Finalmente o tempo melhora e ambos  desmaiam  na praia.

Acordando quase ao meio-dia, Júlio percebe que suas pernas haviam ficado expostas ao sol.

Queimadura brava, febre, fome, gastrite, tudo que pode acontecer de ruim com eles, acontece. Agüentam até o anoitecer e voltam.

Júlio chega em casa por volta da meia-noite e o pai dá o recado: a  Baianinha  esteve lá de novo e disse que o perigo é grande. Zonzo, desaba na cama e dorme. Mas, logo acorda sobressaltado e decide colocar-se a salvo. Já recobrou um pouco das forças.

O pai empresta algum dinheiro e Júlio sai à procura de um hotel na madrugada, levando uma muda de roupa, calafrios de febre, esperanças e incertezas. Sabe que o jogo agora é sério. Já não conta sequer com a relativa proteção da minoridade, pois acabou de completar 18 anos. Se preso, a tortura é certa e a morte, possível.

O que mais o inquieta, entretanto, é a suspeita de não estar preparado para as situações que vai enfrentar. O que faria agora um revolucionário experiente? Gastaria quase todo o seu dinheiro num hotel de bom padrão ou correria o risco de alojar-se num barato, mais exposto à polícia? É seguro colocar seu nome numa ficha?

No trajeto da Vila Prudente até o centro da cidade, não consegue desgrudar os olhos do taxímetro, fazendo contas e mais contas. Percebe que está fraco demais e precisa de repouso. Avalia que, mesmo  caindo  seu nome, levará tempo até que comecem a procurá-lo pra valer.

Acaba optando por um hotel simples mas respeitável, que não recebe casais para curta permanência.

Quando encosta a cabeça no travesseiro, percebe que o destino decidira por ele. Há alguns meses enfrentava o dilema de sair ou não de casa. Sabia que, para avançar na luta, teria de dar esse passo.

Tinha a vantagem de, desde o primeiro momento, haver utilizado o nome-de-guerra em todas as atividades estudantis fora de sua própria escola. Os espiões da repressão devem conhecê-lo só como o  Júlio da Zona Leste. Jamais se colocava publicamente como aluno do MMDC. Tomava o maior cuidado para não ser seguido depois de uma passeata ou assembléia.

Mas, se o Deops realmente quisesse apanhá-lo, acabaria chegando a ele; suas chances de sobrevivência na luta aumentariam muito  caindo na clandestinidade.

No outro prato da balança colocava o desgosto que causaria aos pais, a forma como reagiriam à perda do filho único. E, como não tinha mesmo dinheiro para manter-se fora de casa, ia adiando. Até que tudo se resolveu de forma praticamente automática, naquela noite. O rubicão foi transposto, as pontes queimadas.

Mas, jamais esquecerá a imagem do pai simulando um ataque cardíaco para comovê-lo e fazer com que desistisse. Foi a decisão mais difícil que tomou na vida." (Náufrago da Utopia)

Obs.: numa manhã em que nada no noticiário me animou, fui checar uma informação no meu livro para atender a pedido de companheiro que faz trabalho de conclusão de curso e acabei reencontrando este relato de minha saída de casa, que narrei na 3ª pessoa, referindo-me a mim pelo meu nome de guerra naquela época, Júlio.

Eu e meus companheiros de movimento secundarista da zona Leste paulistana ainda estávamos decidindo se e como entraríamos na VPR quando fomos surpreendidos pela notícia de que nossos parceiros da zona Sul haviam se adiantado a nós -- ingressaram, participaram de uma  expropriação  e o líder deles acabou sendo arrastado pelas sequência de quedas da Organização.

Então, de um momento para outro, quatro de nós tivemos de abandonar atabalhoadamente a vida legal, pois ele tinha como nos localizar e poderia levar a repressão até nós.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A LUTA PARA ESCANCARARMOS A VERDADE ESTÁ SÓ COMEÇANDO

Mais uma vez Vladimir Safatle lança um artigo tão oportuno e necessário que só me resta endossar -- com uma única ressalva, que detalharei adiante.

Até hoje, eu havia reconhecido apenas três autores como mestres do meu ofício: Paulo Francis e Roberto Campos, pela profundidade, didatismo e veemência com que expunham seus temas (embora eu discordasse de muitas posições do primeiro e de quase todas do segundo); e Alberto Dines, que foi o principal baluarte da resistência jornalística à ditadura militar.

Quando eu não esperava encontrar mais textos tão poderosos nas páginas domesticadas da grande mídia, fui obrigado a tirar o boné para Safatle: ele tem sido uma honrosa exceção em meio à terra arrasada na qual a imprensa brasileira se transformou.

Não por acaso, trata-se de um filósofo. Ai dos jornalistas, que se tornam cada vez mais impotentes ou complacentes! 

Segue a íntegra do artigo desta 3ª feira (20) de Vladimir Safatle, Suportar a verdade, ao qual eu só acrescentaria que, apesar de todas as insuficiências e distorções, a Comissão da Verdade prestes a ser criada ainda é melhor do que nada, cabendo-nos pressionar ao máximo para que ela cumpra seus objetivos.

Estão sendo feitas, sem dúvida, as mais descabidas concessões aos protagonistas, cúmplices, herdeiros e discípulos do despotismo. Mas, nenhuma luta deve ser dada por perdida antes de a travarmos. 

A vitória no Caso Battisti, que a desigualdade de forças tornava quase impossível (e, por isto mesmo, foi acachapante ao extremo!) deve nos servir de exemplo e inspiração, ao defrontarmo-nos de novo com os obscurantistas, nosso inimigo de sempre.
"Nos próximos dias, o governo deve conseguir aprovar, no Congresso, seu projeto para a constituição de uma Comissão da Verdade. O que deveria ser motivo de comemoração para aqueles realmente preocupados com o legado da ditadura militar e com os crimes contra a humanidade cometidos neste período será, no entanto, razão para profundo sentimento de vergonha.

Pressionado pela Corte Interamericana de Justiça, que denunciou a situação aberrante do Brasil quanto à elucidação e punição dos crimes de tortura, sequestro, assassinato, estupro e ocultação de cadáveres perpetrados pelo Estado ilegal que vigorou durante a ditadura militar, o governo brasileiro precisava mostrar que fizera algo.

No caso, 'algo' significa uma Comissão da Verdade aprovada a toque de caixa, sem autonomia orçamentária, sem poder de julgar, com apenas sete membros que devem trabalhar por dois anos, sendo que comissões similares chegam a ter 200 pessoas.
Tal comissão terá representantes dos militares, ou seja, daqueles que serão investigados. Como se isso não bastasse, a fim de tirar o foco e não melindrar os que se locupletaram com a ditadura e que ainda dão o ar de sua graça na política nacional, ela investigará também crimes que porventura teriam ocorrido no período 1946-64. Algo mais próximo de uma piada de mau gosto.
Um país que, na contramão do resto do mundo, tende a compreender exigências amplas de justiça como 'revanchismo' não tem o direito de se indignar com a impunidade que se dissemina em vários setores da vida nacional.
Aqueles que preferem nada saber sobre os crimes do passado ainda estão intelectualmente associados ao espírito do que procuram esquecer.

O povo brasileiro tem o direito de saber, por exemplo, que os aparelhos de tortura e assassinato foram pagos com dinheiro de empresas privadas, empreiteiras e multinacionais que hoje gastam fortunas em publicidade para falar de ética. Ele tem o direito de saber quem pagou e quanto.

Esta é, sem dúvida, a parte mais obscura da ditadura militar. Ou seja, espera-se de uma Comissão da Verdade que ela exponha, além dos crimes citados, o vínculo incestuoso entre militares e empresariado.

Vínculo este que ajuda a explicar o fato da ditadura militar ter sido um dos momentos de alta corrupção na história brasileira (basta lembrar casos como Capemi, Coroa Brastel, Lutfalla, Baumgarten, Tucuruí, Banco Econômico, Transamazônica, ponte Rio-Niterói, relatório Saraiva acusando de corrupção Delfim Netto, entre tantos outros).

Está na hora de perguntar, como faz um seminário hoje no Departamento de Filosofia da USP: Quanta verdade o Brasil suporta?"

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

BATTISTI x HAIA: GRANDE IMPRENSA JÁ EXPÕE BLEFE ITALIANO

Desatento, não percebi que O Estado de S. Paulo publicou na 5ª feira passada (15) uma notícia muito esclarecedora sobre a   buffonata   berlusconiana de fingir, para efeito doméstico, que a decisão soberana do Brasil no Caso Battisti poderá ser revertida em Haia.

Carlos Lungarzo já em janeiro esclarecia, de forma irrefutável, que isto é impossível. E eu, reconhecendo-lhe a expertise no assunto, endossei sua análise desde o primeiro momento.

Mais uma vez, ambos colocamo-nos anos-luz à frente da grande imprensa brasileira, que só agora chega onde estamos há oito meses: "Não há nada que obrigue o Brasil a acatar qualquer decisão de Haia". Ou seja, tudo não passa de jogo de cena de maus perdedores.

Eis, com grifos meus, a notícia do Estadão:
"O governo brasileiro adotou uma manobra diplomática para retardar um julgamento pela Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia (Holanda), e reduzir o impacto de uma eventual condenação por decidir não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos na Itália.

O Brasil rejeitou a proposta da Itália de criar uma comissão de conciliação para se chegar a uma 'solução jurídica amigável'. Com isso, o governo tenta manter o assunto no âmbito quase sigiloso dos despachos diplomáticos e evita os holofotes de um tribunal internacional.
A Itália havia pedido ao Brasil que indicasse até hoje um representante para a Comissão Permanente de Conciliação, prevista na Convenção sobre Conciliação e Solução Judiciária, assinada pelos dois países em 1954. Assim, conforme o texto da Convenção, daria por encerradas as tratativas sobre o caso pela via diplomática. Um árbitro neutro, provavelmente indicado pela Corte de Haia, estaria incumbido de propor um acordo entre as partes. O prazo estipulado pela Itália não está expresso na convenção e, por isso, o Brasil não trabalhava com esse limite.
Impasse. Independentemente disso, já havia um entendimento de que o Brasil não indicaria seu representante nessa comissão. A avaliação do Itamaraty é que não há possibilidade de acordo no caso. A única resposta aceitável para a Itália é que Battisti seja extraditado; o Brasil insiste que uma decisão soberana foi tomada pelo Estado brasileiro e recusa-se a entregá-lo.
Assessores jurídicos da Presidência da República e do Itamaraty enfatizam que o caso, de qualquer maneira, chegará à Corte de Haia. Por isso, não veem razão para instalar a comissão.
Rejeitar a interferência dessa comissão teria uma consequência adicional considerada relevante pelo governo brasileiro. A avaliação de assessores jurídicos é de que evitar essa comissão restringe os efeitos e a legitimidade de uma eventual decisão da Corte de Haia contrária à permanência de Battisti no Brasil.
Se aceitasse essa comissão, o Brasil estaria admitindo o julgamento pela Corte de Haia. O texto da convenção estabelece que a falta de acordo entre as partes leva automaticamente o caso para uma decisão final da Corte. Mesmo que a decisão seja contrária ao Brasil, ela tem, na avaliação de diplomatas brasileiros, só efeito moral - que seria amenizado pelo fato de o País não ter reconhecido a ação de uma comissão de conciliação. Não há nada que obrigue o Brasil a acatar qualquer decisão de Haia.
    Diplomacia. Na próxima semana, o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, deve encontrar o ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, em Nova York. Um dos temas a serem tratados é justamente a situação de Battisti. Ao longo dos últimos meses, o embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca, tem-se encontrado com o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Ruy Nogueira. As conversas, no entanto, não levam a nenhuma conclusão.
    Diplomatas ouvidos pelo Estado afirmam que o governo brasileiro entende a pressão italiana como um caso de política interna muito sensível. Nem por isso poderá ceder, já que o asilo político já foi concedido a Battisti. Quando o caso chegar a Haia, o Brasil contratará um advogado para fazer sua defesa. Antes disso, nada será feito".

    domingo, 18 de setembro de 2011

    O DESLUMBRADO, A DONDOCA E O GIGANTE

    Elio Gaspari continua dando uma no cravo e outra na ferradura. Neste domingo (18), rasgou seda para uma medíocre dondoca cuja única importância se deveu ao sobrenome (o do marido presidente, não o do duende ridículo com quem depois se casou por motivo$ óbvio$...).

    Gaspari avalia Jacqueline Kennedy ou Onassis como "uma grande mulher, dona de uma vontade de ferro e imbuída de um raro sentido da história, escondida atrás de uma delicada aparência de refinada futilidade". Só concordo com a  futilidade.

    Desperdiçaram papel nos EUA publicando "sete longas entrevistas" da dita cuja.

    E Gaspari, deslumbrado e embevecido, reproduziu na sua coluna este trecho patético:
    "Ele [John Kennedy] me contou de uma gravação do FBI de quando [Martin Luther] King esteve aqui para a Marcha da Liberdade. (...) Ligava para umas garotas, armando uma festa de homens e mulheres, uma orgia no hotel. (...) Eu não posso ver retratos dele sem pensar, sabe, aquele homem era horrível".
    Que importam, afinal, as orgias de Luther King ou mesmo o exibicionismo de Jackie, que  fortuitamente  se deixou fotografar nua por paparazzi (expondo uma anatomia magrela que melhor teria sido ocultar...)?

    Jackie hoje é uma nota no pé de página da História, meio anedótica, na linha de Dona Flor e seus dois maridos.

    E Luther King será sempre lembrado como um gigante e um mártir na luta pelos direitos civis, autor de um discurso antológico, inesquecível, de arrepiar, cuja íntegra pode ser acessada aqui e está no vídeo abaixo, mas cujos principais trechos mesmo assim reproduzo, porque merecem ser por todos conhecidos e sempre lembrados:
    "Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, de que os homens são criados iguais.

    Eu tenho um sonho de que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

    Eu tenho um sonho de que um dia, até mesmo o estado de Mississippi, um estado que transpira com o ardor da injustiça, que transpira com o ardor de opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.

    Eu tenho um sonho de que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver numa nação em que elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!

    Eu tenho um sonho de que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia, no Alabama, meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!"
     

    JORNAL DA DITABRANDA TAMBÉM CRIA UM DISQUE-DELAÇÃO

    O estado policial se torna realidade.

    Além de toda a espionagem e monitoramento eletrônicos, invadindo e devassando de todo modo nossa privacidade, está sendo cada vez mais incentivada a deduragem anônima.

    É tudo de que precisam os covardes e os vis para lançarem suspeitas infundadas sobre seus desafetos, causando-lhes transtornos e aborrecimentos.

    Esta prática infame foi introduzida pela Polícia, com seu disque-delação, que evidentemente deve ter colocado as  otoridade  no encalço de muitos cidadãos inocentes.

    Agora, a Folha de S. Paulo cria um serviço congênere. Trata-se de uma vergonha para o jornalismo, que passa a ser confundido com mera bisbilhotice, ao designar profissionais para escarafuncharem mentiras e boatos. O que os diferenciará doravante dos arapongas? Algo tão repulsivo só poderia mesmo provir do jornal da  ditabranda.

    Eis o novo monstro engendrado pelos doutores Frankensteins da alameda Barão de Limeira:
    "A Folha lança neste domingo o programa Folhaleaks, um canal na Folha.com (folha.com/folhaleaks) para receber informações e documentos que possam merecer uma investigação jornalística.

    Trata-se de uma ferramenta que permitirá ao leitor enviar sugestões, informações e documentos inéditos capazes de gerar reportagens investigativas elaboradas pela equipe do jornal.

    O internauta poderá fazer isso de forma anônima --o jornal preservará o anonimato das fontes que não queiram se identificar..."
    Lá vai o PIG, descendo a ladeira.

    sábado, 17 de setembro de 2011

    LIMINAR 'CONGELA' DIREITO DA FAMÍLIA DE LAMARCA HÁ QUASE 4 ANOS

    O pagamento da reparação concedida pelo Estado brasileiro à família do comandante Carlos Lamarca foi suspenso por liminar de outubro/2007 da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

    Afora ter sido um ato de inspiração TOTALITÁRIA, grotesco e inadmissível à luz do Direito das nações civilizadas, há uma agravante: a inacreditável letargia que tomou conta do tribunal após proferir uma decisão preliminar que, se confirmada no julgamento do mérito da questão, INEVITAVELMENTE será corrigida pelas instâncias superiores da Justiça brasileira.

    Nada fica a dever ao disparate daquele juiz homófobo que quis anular a união civil de dois homossexuais.

    A diferença é que, naquela ocasião, a sanidade foi prontamente restabelecida. Já neste caso, o estupro de direitos legítimos se prolonga por quase quatro anos. Mais kafkiano, impossível.

     A ação movida pelos clubes militares das três Armas pretende que Lamarca tenha desertado do Exército.

    Ora, até as pedras sabem que foi o Exército quem desertou da democracia, condenando o Brasil a 21 anos de trevas.

    Já Lamarca, ao recusar-se a servir de jagunço para golpistas, honrou o solene juramento que fez, de respeitar a Constituição e obedecer ao presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas.

    A tiranos não se presta obediência; pelo contrário, opõe-se resistência.

    É como agem os bravos, os justos e os dignos.

    COMANDANTE CARLOS LAMARCA (1937-1971): VENCER OU MORRER!

    Hoje se completam 40 anos da morte do comandante Carlos Lamarca, que estava debilitado e indefeso quando foi covardemente executado pela repressão ditatorial no sertão baiano, em 17 de setembro de 1971, numa típica  vendetta  de gangstêres.

    O que há, ainda, para se dizer sobre Lamarca, o personagem brasileiro mais próximo de Che Guevara, por história de vida e pela forma como encontrou a morte?

    Foi, acima de tudo, um homem que não se conformou com as injustiças do seu tempo e considerou ter o dever pessoal de lutar contra elas, arriscando tudo e pagando um preço altíssimo pela opção que fez.

    Teve enormes acertos e também cometeu graves erros, praticamente inevitáveis numa luta travada com tamanha desigualdade de forças e em circunstâncias tão dramáticas.

    Mas, nunca impôs a ninguém sacrifícios que ele mesmo não fizesse. Chegava a ser comovente seu zelo com os companheiros -- via-se como responsável pelo destino de cada um dos quadros da Organização e, quando ocorria uma baixa, deixava transparecer pesar comparável ao de quem acaba de perder um ente querido.

    Dos seus melhores momentos, dois me sensibilizaram particularmente.

    Logo depois do Congresso de Mongaguá (abril/1969), quando a VPR saía de uma temporada de luta interna e de  quedas  em cascata, o caixa estava a zero e a rede de militantes, clandestinos em sua maioria, carecia desesperadamente de dinheiro para manter as respectivas  fachadas -- qualquer anomalia, mesmo um atraso no pagamento de aluguel, poderia atrair atenções indesejáveis.

    Mas, o chamado  grupo tático  fora o setor mais duramente golpeado pelas investidas repressivas. 

    Então, quando se planejou a expropriação simultânea de dois bancos vizinhos, na zona Leste paulistana, o pessoal experiente que sobrara não bastava para levá-la a cabo.

    Eu e os sete companheiros secundaristas que acabáramos de ingressar na Organização fomos todos escalados -- na enésima hora, entretanto, chegou a decisão do Comando,  que me designou para criar e coordenar um setor de Inteligência, então fiquei de fora.

    Lamarca, procuradíssimo pelos órgãos repressivos, fez questão de estar lá para proteger os recrutas no seu  batismo de fogo. Os outros quatro comandantes tudo fizeram para demovê-lo, em nome da sua importância para a revolução. Em vão. A lealdade para com a  tropa  nele falava mais alto.

    Depois de muita discussão, chegou-se a uma solução de compromisso: ele não entraria nas agências, mas ficaria observando à distância, pronto para intervir caso houvesse necessidade.

    Houve: um guarda de trânsito, alertado por transeunte, postou-se na porta de um dos bancos, arma na mão, pronto para atingir o primeiro que saísse.

    Lamarca, que tomava café num bar a 40 metros de distância, só teve tempo de apanhar seu .38 cano longo de competição, mirar e desferir um tiro dificílimo -- tão prodigioso que, no mesmo dia, a ditadura já percebeu quem fora o autor. Só um atirador de elite seria capaz de acertar.

    Como resultado, a repressão teve pretexto para fazer de Lamarca o  inimigo público nº 1 -- e, claro, o fez. A imagem dele foi difundida à exaustão, obrigando-o a redobrar cuidados e até a submeter-se a uma cirurgia plástica.

    Também teve de brigar muito com os demais dirigentes e militantes, para salvar a vida do embaixador suíço Giovanni Butcher, quando a ditadura se recusou a libertar alguns dos prisioneiros pedidos em troca dele e ainda anunciou que o Eduardo Leite (Bacuri) morrera ao tentar fugir.

    Dá para qualquer um imaginar a indignação resultante -- afinal, as (dantescas) circunstâncias reais da morte do  Bacuri  ficaram conhecidas na Organização.

    Mesmo assim Lamarca não arredou pé, usando até o limite sua autoridade para evitar que a VPR desse aos inimigos o monumental trunfo que as Brigadas Vermelhas mais tarde dariam, ao executarem Aldo Moro. O episódio foi tão traumático que ele acabou deixando a VPR.

    E, no MR-8, novamente divergiu da maioria dos companheiros -- quanto à sua salvação.

    Pressionaram-no muito para que saísse do Brasil, preservando-se para etapas posteriores da luta, pois em 1971 nada mais havia a se fazer. Aquilo virara um matadouro.

    Conhecendo-o como conheci, tenho a certeza absoluta de que não perseverou por acreditar numa reviravolta milagrosa. Em termos militares, suas análises eram as mais realistas e acuradas. Nunca iludia a si próprio.

    O motivo certamente foi a incapacidade de conciliar a idéia de  fuga  com todos os horrores já ocorridos, a morte e os terríveis sofrimentos infligidos a tantos seres humanos idealistas e valorosos. Fez questão de compartilhar até o fim o destino dos companheiros, honrando a promessa, tantas vezes repetida, de vencer ou morrer.

    Doeu -- e como! -- vermos os militares exibindo seu cadáver como troféu, da forma mais selvagem e repulsiva.

    Mas, ele havia conquistado plenamente o direito de desconsiderar fatores políticos e decidir apenas como homem se preferia viver ou morrer.

    Merece, como poucos, nosso respeito e admiração.

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